Sunday, October 16, 2016

Peter Pan



Dario vira a cabeça instintivamente quando a moça passa. Sequer a viu, mas um hábito é um hábito. As duas senhoras, estrategicamente sentadas numa das mesas externas do bar, reprovam com olhares e acenos negativos de cabeça. Elas estão sempre ali, patrulhando a vida alheia no vilarejo de Vescovato, na província de Cremona.

A verdade é que Dario foi sendo obrigado a murchar, com a idade. Sempre espontâneo, abraçava os amigos e beijava com carinho as novas amizades. Demorou anos para perceber o incômodo em alguns; parou de esbanjar afeto. Também começou a economizar sorrisos e guardou sua alegria em gargalhadas imaginárias. Piadas? Jogou fora uma imensa coleção, junto com a ironia que sempre o caracterizou. Costumava pedir em casamento as esposas dos amigos, sempre em tom de zombaria. Deixou, que poucos entendiam a brincadeira elogiosa.

Mas quando a neta de três anos contava à mãe, nora de Dario, que o vovô tinha sido carinhoso com ela, pegando-a no colo e beijando-a na bochecha, e a nora lançou um longo e silencioso olhar a Dario, ele decidiu evitar contatos físicos com as pessoas. E pensar que era uma das poucas vezes que vira a neta, nascida e crescida em Roma. Dario não toca mais nenhuma criança, apesar de adorá-las. 

Algumas pessoas continuam as mesmas, não envelhecem. Apenas entristecem. Ah, Dario. Onde foram param suas expressões faciais, aquele sorriso fácil, o jeito brincalhão e amigável de sempre? Sempre, não, que tudo aconteceu muito lentamente. Talvez nem se dê conta do quanto tornou-se triste, de como os moradores mais velhos do lugar sentem falta do amigo extrovertido, que só volta a ser brincalhão em raras ocasiões e nunca diante de estranhos. Ninguém consegue mais identificar o sorriso nesse teu rosto inexpressivo. Quanto tempo é necessário para aprender a esconder sentimentos? O único hábito que resistiu é acompanhar com o olhar o vai e vem das moças de Vescovato. Talvez por nunca ter se dado conta de ter envelhecido, e que para a sociedade “não fica bem” um velho apreciar a juventude; talvez por ser apenas um hábito inofensivo e – que diabos! porque um hábito é um hábito.

E as fofoqueiras do bar que vão às favas!

No comments: